segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006

Trânsito condicionado em Alfama
Sem carros e sem clientes


Alfama convive há quase dois anos e meio com medidas de condicionamento de trânsito e estacionamento. Passado este tempo, os comerciantes diferem na avaliação da medida. Muitos contestam o sucesso da iniciativa e acusam a Câmara de falta de diálogo.

"O meu ramo não foi prejudicado", diz Margarida Almeida, de 49 anos, dona de uma mercearia na rua da Regueira. "Os meus clientes são pessoas do bairro", explica. Pensa que a restrição do uso do automóvel em Alfama, que teve início em Agosto de 2003, "foi uma medida drástica, mas boa". Mas admite que a área da restauração foi mais afectada, porque "não vêm tantas pessoas de fora".

Ermelinda Silva, uma moradora de 64 anos, concorda: "Antes havia carros por tudo quanto era sítio". Agora, o principal problema parece ser a falta de lugares para moradores: "Muitas pessoas têm dois carros, e isto acaba por encher rapidamente".

De facto, são várias as situações de infracção, com carros mal estacionados, alguns em cima dos passeios ou em segunda fila, nas pracetas mais amplas. Tudo dentro da área condicionada, que abrange ruas de três freguesias: São Miguel, Santo Estêvão e Sé. Na parte superior, é limitada pela rua das Escolas Gerais e, na parte inferior, pelo Largo do Terreiro do Trigo.

No restaurante "O Regueirão", também na rua da Regueira, a opinião é diferente. "Isto só veio piorar o negócio. Neste estabelecimento registámos uma quebra de 80 por cento nas vendas", explica Jorge Baptista, de 47 anos. Trabalha ali há 11 anos e queixa-se que os residentes continuam a estacionar como querem.

"Alfama vai estar a seus pés", lê-se num cartaz promocional da Câmara de Lisboa. "Que interessa isso, se o bairro se transformou num deserto?", questiona António Graça, de 56 anos, que trabalha numa pastelaria da rua de S. João da Praça. "Não fomos sequer ouvidos e acabámos por ter uma quebra de mais de 40 por cento no negócio", adianta. "Foi mais uma asneira do presidente Santana Lopes e o pior que podia ter acontecido ao bairro", diz.

Opinião idêntica tem Sebastião Candeias, de 57 anos, funcionário há seis anos da Garrafeira da Sé. "A avaliação? É completamente negativa! Tivemos uma quebra de 60 por cento", diz. E desabafa: "O Santana só fez porcaria! Nós nunca fomos ouvidos. Houve uma reunião, sim, mas para nos comunicar um facto consumado".

Sebastião Candeias queixa-se também do aumento da criminalidade. Segundo ele, o bairro ficou mais isolado e, por isso, os assaltos a pessoas e estabelecimentos triplicaram. A Garrafeira onde trabalha já foi assaltada duas vezes, e a loja do lado também.

Ao meio dia e meia a maioria dos restaurantes continua vazia. Na rua são poucos os turistas. Algumas moradoras estendem a roupa nos muitos estendais que dão um colorido diferente ao bairro. Na periferia da zona condicionada, na rua das Escolas Gerais, passa vagaroso o eléctrico 28. No largo das Portas do Sol cruza-se com o novo parque de estacionamento da EMEL, a empresa pública municipal de estacionamento. É o primeiro silo automático do país, inaugurado em Novembro, e tem 150 lugares. "Não acredito que vá mudar grande coisa, mas se melhorar um pouco o negócio já seria bom", afirma Jorge Baptista.

Luís Galrão

[Caixas]

As zonas condicionadas
O Bairro Alto foi o primeiro bairro histórico alvo de um condicionamento de acesso e estacionamento, em Dezembro de 2002. Seguiu-se Alfama, em Agosto de 2003 e, mais tarde, os bairros da Bica e de Santa Catarina.
A Câmara e a EMEL justificam a medida com "as características geográficas e demográficas destes bairros", que contribuem "para o estacionamento desordenado de veículos, comprometendo a segurança da população residente, dos comerciantes locais e dos visitantes, sobretudo no que respeita à pronta acessibilidade de veículos de socorro em caso de sinistros."

«Via-verde»
À semelhança dos outros bairros, as entradas e saídas da zona de Alfama onde o trânsito é condicionado estão equipadas com pilaretes retrácteis. Os moradores podem estacionar dentro desta área, desde que munidos de um identificador tipo via-verde. Os comerciantes também podem entrar nestas ruas, mas apenas por um período de 1h30 por dia.
A EMEL explica na sua página internet que "é necessário respeitar a sinalização colocada nos acessos, nomeadamente o sinal luminoso e as instruções fornecidas pelo controlador, uma vez que as entradas são efectuadas, mediante a respectiva autorização, veículo a veículo."

Links
Empresa Pública Municipal de Estacionamento, EM
http://www.emel.pt/

[reportagem realizada no módulo «Géneros jornalísticos»] [revista a 09/02/06 após sugestões do formador]

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